terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Feliz Natal? Só se for para si


Ou se gosta ou se odeia. Não conheço ninguém que suporte ou goste assim-assim do Natal. O Natal toca-nos a todos. Seja pelas luzes e enfeites nas ruas, seja pelas propagandas publicitárias ou conversas de café.

Não se escapa ao Natal, mesmo que o país se diga laico.

O Natal é o momento em que todos os problemas corriqueiros se varrem da nossa cabeça para que possam dar espaço a outros problemas não menos corriqueiros.

Antes do Natal, temos invariavelmente o peditório da Liga Portuguesa Contra o Cancro em novembro. Em dezembro a campanha de recolha de alimentos do Banco Alimentar. Estamos mais sensíveis e mais generosos. Ajudamos e vamos entrando no espírito de Natal.

Natal é estar com a família. É partilhar e comemorar mais um ano. É abrir presentes e descobrir, pelo nível de pirosice ou pelo teor da sofisticação, o autor da dádiva. Talvez por isso, há uns anos, se tenha imposto etiquetas nos presentes e criado assim uma forma de gerir expectativas e, certamente, evitar que a honestidade se pregue à nossa cara.

No Natal, há discussões na família, contam-me. Na minha, estranhamente, nunca houve, talvez porque andemos de facto mais anestesiados pelas imposições do advento. Mas há gritos de alegria. Ou havia.

Natal é brindar, comer doces, bacalhau e peru recheado. É altura de mesas fartas, mesmo nas casas mais humildes, fruto da inter-ajuda inerente à existência do ser humano - e que é bem explorada por todos nesta altura do ano.

Mas este Natal será diferente. É o primeiro Natal sem a minha mãe e sem a mãe da minha mãe. Perdi duas mães em 2023. É impossível haver Natal.

Não há mesa farta, presentes, brindes ou espírito que possa atenuar a dor de quem sofre duas perdas tão significativas.

Este é o primeiro Natal sem Natal. A minha mãe era o meu Natal.

Feliz Natal? Só se for para si.

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domingo, 8 de setembro de 2013

O que mais o surpreende na humanidade?

Cruzei-me por estes dias com a resposta de Dalai Lama a esta pergunta.

"Os homens, porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem-se do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer… E morrem como se nunca tivessem vivido!"

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

As Minhas Asas

Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra.
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
– Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para mas cortar
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

in Folhas Caídas, Almeida Garrett

Gostei de ter aberto este livro - perdido na escrivaninha do meu quarto da casa de Águeda - precisamente neste poema. Foi bom saber que em 1853 Garrett escreveu aquilo que sinto hoje. Já senti. Bem, já não sinto mais.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Avô Henrique

Construíste-me o melhor carro de rolhas e fósforos de sempre.
Vias comigo os meus programas de televisão preferidos.
Leste-me os primeiros livros.
Demos tantas voltas no teu carro. Ainda sinto o cheiro dos estofos impecavelmente limpos.
Ensinaste-me a nadar.
Passámos grandes tardes estendidos na praia a comer gelados.
Fomos tão amigos.
E tu doente, sem que eu soubesse, sem que eu percebesse...
Um dia deixaste de falar.
Quando partiste, disseram-me que tinhas ido fazer uma grande viagem. Lembro-me de como chorei. Mas só naquele momento. Deitaram-me, sonhei contigo e soube que um dia reencontrar-te-ia.
E hoje, nem de propósito, descobri este vídeo. Hoje, dia 26 de dezembro, faz 15 anos que te perdi, querido avô!
Com saudades.

Porque este blogue é de viagens e o meu avô continua a sua grande viagem.

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sexta-feira, 1 de junho de 2012

A hora do Adeus


Não é um Adeus. É uma até já. 

O mundo é mesmo um lugar cada vez mais pequeno. Não preciso de enumerar as vezes que encontrei gente de um canto noutro canto do planeta. 

Mas a minutos - poucos - de abandonar o humilde palácio que me acolheu estes três meses na Alemanha, invade-me uma sensação de tristeza. Daquelas que vêm para ficar dois dias.

A razão incógnita que me trouxe a este país - que só eu a sinto e não tem explicação - ecoa agora, mais do que nunca. Mas a partida faz sentido.

Ontem, fiz as malas. Não me apetecia mexer uma palha. Foi preciso tirar só a primeira meia da gaveta, para em 50 minutos ter tudo embalado. Bem, quase tudo!

Vou sentir falta de acordar entre o cheiro e a cor deste pequeno jardim, ao som do palrar de pássaros alemães. Será que são mesmo alemães? Podem ser brasileiros! Quando era pequeno, a minha mãe, a minha linda mãe, dizia-me, em tom de mistério, da janela da sala, que aqueles primeiros pássaros da Primavera tinham percorrido um oceano inteiro para chegarem ao nosso jardim. Não os podíamos assustar.

Pois bem, chegou a vez de dizer que desta vez, quem percorreu o oceano fui eu. Um oceano de emoções.

E resta-me agradecer a todos, a mim, mas principalmente a Deus, por me sentir tão feliz e realizado por ter chegado até aqui.

Os sonhos concretizam-se.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Salada mista

Conhecem aquele senhor que diz: não sei se chore, não sei se ria, não sei se fique, não sei se vá, não sei se fale, não sei se me cale e por aí fora?
Pronto, é mais ou menos isso.
Deixar o país que me acolheu durante três meses está mais perto do que nunca. É de sexta-feira a oito dias.

Feliz por voltar ao colo da mãe, à família, aos amigos, ao meu trabalho. Aos meus colegas e amigos. Feliz por ter gostado. Feliz por ter livrado a mente de mil preconceitos. Feliz por ter concretizado o sonho de viver na Alemanha.

Triste por tudo isto estar a acabar.
Triste por pensar que pode ficar tudo por aqui.
Triste por ter a certeza que o provável é nunca mais voltar a cruzar-me com algumas destas pessoas.

Aprendi, como aprenderia em Portugal. Aprender é o meu dia-a-dia.
Gostei das amizades que travei, gosto daquelas que vão ficar para sempre. Gostei da redação e do carinho com o qual fui recebido. Senti-me integrado desde o primeiro dia! Obrigado.

Gostei de praticar o meu Brasileirês e de quase ser bilingüe, né galera?!

A temperatura amena ajudou-me a pensar mais com o coração, menos com o fígado. Tudo custou menos. O cérebro deu menos voltas para atingir o ponto.
As alergias não apareceram, sabiam?
Este país é, de certa forma, o meu país. Fica cá parte de mim.
Gosto da língua. Difícil. É por isso que gosto dela.

Lisboa, aguarda o meu regresso! Portugal, estou a chegar. Apesar de tudo, acho que agora vou saber viver-vos com mais carinho, com outro encanto.

Acho que entretanto o meu discurso ficou incongruente. Quase de emigrante. Mas é assim que me sinto: impróprio, improporcional, incoerente, mas feliz e triste; triste, feliz.

Enfim, é como explica o título deste blogue: Cá e Lá.

Não sou cidadão do mundo? Bem, não quero começar com filosofias... Esta frase é tão cliché, tão lugar comum e tão vaga e vulgar ao mesmo tempo que nem me apetecia reescrevê-la aqui. No fundo, só queria explicar que quero voltar e regressar aos meus pontos de partida sempre que quiser. Quando me apetecer.

Vou estar lá, com um pé cá, outro lá, com o pensamento lá e cá. Mas lá. Ou cá.
Pronto, vá, é hora de dormir e depois disto, como diria o meu irmão mais novo, "O teu cérebro 'tá a fritar!"

P.S. Artur, acabas de chegar à família. Bem-vindo! Vais ser, com certeza, bem tratado por todos. Sê feliz, estamos todos cá para isso. 

sábado, 19 de maio de 2012

O habitat de ninguém

Impressiona.
Entre 1936 e 1945 mais de 200 mil pessoas passaram por aqui. Muitas não voltaram a sair.
Sachsenhausen Oranienburg era um dos campos de concentração mais pequenos.
Als die Nazis die Kommunisten holten, habe ich geschwiegen;
Ich war ja kein Kommunist. 
Als sie die Sozialdemokraten einsperrten, habe ich geschwiegen; ich war ja kein Sozialdemokrat. 
Als sie die Gewerkschafter holten, habe ich geschwiegen; ich war ja kein Gewerkschafter. 
Als sie die Juden holten, habe ich geschwiegen, ich war ja kein Jude. 
Als sie mich holten, gab es keinen mehr, der protestieren konnte


Martin Niemöller

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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Berlin, du bist wunderbar

Fui de bolei. A 230km/h. Não deu para apreciar a paisagem. Fez calor pela primeira vez na Alemanha desde que cheguei cá. Estive de manga arregaçada, a martirizar-me por não ter posto mangas-curtas na mala.

Nessa noite, houve direito a discoteca no 12º andar de um prédio com vista para a Alexanderplatz. Com boa companhia, claro. Muito boa.

Comeu-se bem, andou-se bem, viu-se tudo, ou quase tudo, do que vem nos guias, nestes dias em Berlim. Faltou sentir a cidade com tempo para apreciar em pormenor o sui generis modus-vivendi dos berlinenses.

Tal como expliquei à Carlota, o estereótipo é o seguinte: o normal é serem anormais e, portanto, como querem ser todos diferentes acabam por ser todos iguais. É o estilo. Eu chamo-lhes anormais, mas é com carinho.

No segundo dia (ou primeiro dia com luz), houve tempo para Reichstag, Tiergarten, Denkmal für die ermordeten Juden Europas, Homosexuellen Denkmal, Siegessäule, Zoologischergarten.

Experimentámos as tão bem-fadadas miniaturas da comida típica alemã no restaurante Die Schule, na Kastanienalle, à hora do almoço. Boas e saborosas. Mas o melhor restaurante foi mesmo o do último dia. Não me recordo do nome! (Ajuda!)

Depois do almoço, rumámos ao Flohmarkt; pelo meio fomos convidados por miúdos de 8 anos a entrar num mercado improvisado no pátio de um prédio. Muita quinquilharia, brinquedos pela metade e uma criança que insistentemente perguntava: Hast du Hunger?


Passeou-se pelo Nikolaiviertel, pelo Spree, atravessámos a ilha dos museus e rumámos ao edifício Tacheles. É Berlim no seu estado puro.

E porque o dia foi mesmo para acabar com a sola dos sapatos apanhámos um S-Bahn e fomos para o outro lado da cidade ver a zona mais bem conservada do Muro de Berlim - o East Side Gallery.

Jantámos no Sony Center am Potsdamerplatz (mais uma vez do outro lado da cidade). No restaurante, uma máquina destiladora de cerveja (?) fez as delícias da enóloga de serviço.

E porque não estávamos - de todo - cansados fomos até às portas de Brandeburgo, percorremos a Unten den Linden até à Alexanderplatz e recolhemos à Praça da Rosinha do Luxemburgo, onde estávamos hospedados, que é como quem diz Rosa-Luxemburg-Platz. Por falar nesta distinta empregada doméstica portuguesa que emigrou para o Luxemburgo para limpar retretes, aqui fica a sua biografia.

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Um Escaldão na Alemanha

É o título da curta-metragem de ontem.

Aproveitei o feriado - Christi Himmelfahrt ou Ascenção de Cristo - e fui dar um passeio de barco pelo Reno. O povo a passar o protector solar no convés e o menino Nuno na maior. Armado em esperto.
O que vale é que os óculos à mosca me protegeram a parte superior das bochechas. O nariz - que já se tornou insensível - está vermelho, mas não dói.

O destino foi Konigswinter, uma pequena localidade do outro lado da margem do Reno, a poucos quilómetros de Bona.

E lá ia eu com o cabelo ao vento, a snifar o pólen que paira no ar de Bona, armado em turista. Que até sou.

Chegado ao destino e já depois do almoço - turco - subi a montanha em direção ao Schloss Drachenburg, em Drachenfels. Um quilómetro(zito) de subida a pique. A paisagem é formidável, preenche-nos a alma, renova-nos o espírito, enche-nos de coragem. Lá em cima, vê-se a Catedral de Colónia.
Bem mais perto, uma piscina olímpica.


Reparei que no meio do Reno, aqui perto, há uma ilha com uma quinta e uma casita daquelas que - no mínimo - tem 20 assoalhadas.

Enfim, do alto da montanha verde, sinto-me em casa.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Coragem, no mínimo

Nasceu num país africano católico onde a homossexualidade é passível de punição com trabalhos forçados. Chama-se Titica, é transexual e está a conquistar a cena do Kuduro em Angola.

No mínimo, soa-me a muita coragem!

E porque eu estou sempre - SEMPRE - do lado dos menos fortes, dos oprimidos e dos que são marginalizados pela ignorância social, aqui fica o link do Youtube para o seu mais recente sucesso - Olha o Boneco. Ela "era bailarina e agora é menina."

Vale a pena ler a reportagem da BBC, para acabar de vez com preconceitos. São feios e parecem-me que pertencem ao século passado. Aceitar é o caminho.

P.S.: A Deutsche Welle também está a preparar uma reportagem sobre a Titica. A jornalista Ivana Ebel trará novidades. Até já falou com ela.

Não percam, no Juventude em Foco, na DW, na emissão de domingo, com Nuno de Noronha e Ivana Ebel!

A Europa vista da Alemanha

Entretanto, o blogue do SAPO Notícias do qual sou participante já entrou em funcionamento.

Chama-se A Europa Vista da Alemanha e visa, sobretudo, publicar diariamente histórias que nos dizem respeito a todos, no seio de uma Europa a 27.

Há ainda espaço para um ou outro episódio mais descontraído, sobre aquilo que é o dia-a-dia na Alemanha.

Passem por lá: http://aeuropavistadaalemanha.blogs.sapo.pt/

E aceitam-se sugestões para temas!